Reflexões sobre o tempo e o espaço...

“Após 4 anos de prática, o mestre pediu ao discípulo, como última prova, que atirasse num alvo formado por um monte de feixes de palha, colocado a sessenta metros de distância.

Desnorteado, o aprendiz perguntou-lhe: "Como devo segurar o arco para atingir tal distância?”

"Atire como de costume sem se preocupar com o alvo e com a mente livre de pensamentos" diz o mestre. Mesmo assim, o aprendiz não conseguia atirar sem ver o alvo e angustiado, reafirmava que precisava vê-lo para atirar.

O mestre reforça: "Procure apenas esticar o arco, até que a flecha parta. É preciso deixar que a coisa se faça." E pegando seu arco, o esticou até o limite e lançou a flecha que atingiu o alvo bem ao centro. Nesse momento explica, o mestre: "Feche lentamente os olhos até que o alvo fique um pouco esmaecido e pareça aproximar-se de você, até que ambos sejam um, pois quando o alvo e o atirador se tornam um, a flecha que parte do centro, chega no centro. Por isso, não se deve mirar o alvo, mas sim a si mesmo."

Profundamente desesperado, confessou ao mestre que se sentia incapaz de compreender e de aprender a atirar sem mirar. Com isso, o mestre, levou o discípulo a sua casa e atirando flechas no escuro com uma pontaria impecável, conseguiu que seu aprendiz acreditasse que era possível, e tentasse fazê-lo sem se preocupar com o olhar do mestre e sem pensar em nada.

"A mirada que leva da existência ao nada, sempre retorna à existência, não porque o atirador queira voltar, mas porque ele é levado a isso. A descrição das experiências vividas pelo atirador não pode ser explicada por nenhum raciocínio." diz o aprendiz.

Conclui o mestre: "Atingir cem vezes seguidas um alvo pode não passar de tiros medíocres, porém conseguir atirar uma única vez, que seja, sem nenhuma intenção de êxito e com pureza de coração é a verdadeira sabedoria."

Lendo esse pequeno trecho relatando a experiência de um aprendiz ocidental, com um mestre oriental, parei para refletir sobre a dificuldade que o aprendiz em estar presente e desapegar-se de seus objetivos e pré-ocupações com relação ao alvo. E sobre o ensinamento do mestre sobre a experiência se fazer, quando um está presente e se torna um com meio.

Como o aprendiz, quantos de nós conseguimos realmente estar presentes, no momento que estamos vivendo?

O que percebo é que, principalmente aqui no ocidente, vivemos quase que o tempo todo em algum outro lugar e num outro tempo, que não os que estamos no presente momento. Esse é um fenómeno tão recorrente, que já nem nos damos conta dele e muito menos paramos para refletir.

Vivemos pré-ocupados ou ansiosos pelo que está ainda por vir, criando expectativas e planejando o futuro, ou então repensando, lamentando e/ou revivendo sentimentos e experiências passadas, mas raramente estamos conscientes e inteiros no momento presente.

É curioso que isso aconteça, pois a vida acontece no momento presente, em tempo 0, e se pensamos bem, é como se passássemos praticamente a vida toda não “vivendo” a vida de fato, porque estamos vivendo o que já passou ou o que ainda não aconteceu.

Estamos sempre enraizados em nossas mentes e não no momento presente, porém, uma parte de nossa mente é memória e a outra é imaginação, o que resta???

Tanto o tempo, quanto o espaço são invenções humanas para organizar nossa forma de viver, mas eles são ilusórios e relativos, como já diziam os físicos quânticos. São instrumentos cognitivos da nossa consciência, inclusive, nem o nosso funcionamento como seres humanos e o de nenhum outro ser existente, segue a estrutura linear do tempo e do espaço, somos o resultado da conexão das nossas experiências e sentires, que nos permitem uma maneira única, atemporal e não linear, de perceber e agir no momento presente.

O futuro e o passado são formas de estar no presente e quando vivemos nesses espaços, não logramos estar inteiros no momento presente, e assim não vivemos integralmente... e a vida vai se esvaindo entre nossos dedos, nos trazendo uma noção de tempo muito real, pois só nos damos conta do tempo, quando ele já passou, porque aí o utilizamos para explicar nossas experiências, localizando-as no tempo e no espaço.

O estar inteiro no momento presente cria um laço que nos une ao momento que vivemos, nos tornando um com esse momento, permitindo que extraiamos tudo aquilo que essa experiência nos traz. Já o apego as nossas certezas é uma trampa que limita nossa visão e a nossa experiência, admitindo que as coisas pré-existem à nossa experiência, como se existem independente de nós e da nossa experiência. Porém, cientificamente já sabemos que tudo surge a partir do nosso olhar e da nossa interação com o mundo no momento em que estamos observando e/ou interagindo. Então quando o mestre diz para o aprendiz tornar-se um com o alvo, sem querer controlar o alvo ou mirá-lo, o que queria dizer é o que o alvo não estava fora, e sim dentro do aprendiz, e quando esse se conecta com esse alvo interno, poderá distinguir o alvo fora que surge com a introdução da flecha, pois não existe dentro e fora, o que está dentro se reflete fora, é tudo uma única coisa.

Estar conscientes, inteiros e presentes no momento presente, no centro de nós mesmos, desapegados de nossas certezas e deixando que a vida surja na deriva do viver, nos permite realmente viver, aprender, escolher e encontrar a verdadeira felicidade, que está dentro de nós, assim como todo o resto.

"O tempo e o espaço são modos pelos quais pensamos e não condições nas quais vivemos." [Albert Einstein]

Fica a reflexão: Onde estás, enquanto tua vida acontece? A que certezas estás apegado?

Namastê!

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